Análise da Obra: La Velata de Raffaello Sanzio

Elizabeth Sariedine
3 min readSep 17, 2019

--

Elizabeth Sariedine

Análise da obra: La Velata de Raffaello Sanzio

La Velata, obra de Raffaello Sanzio, assim foi batizada em decorrência de seu véu esvoaçante, oriundo da inspiração urbina do sfumato Da Vinciniano. Em se tratando da amizade e admiração entre ambos os pintores, Leonardo e Rafael, é possível ver a influência do mestre em seu aprendiz a partir das nuances lineares suavizadas no olhar da madonna e em sua mão delicada, responsável pela ideia de textura e volume do tecido que traja.

O contraste do fundo (obscurecido) e a personagem (iluminada) proporcionam não somente a subsequente ideia de volume e profundidade, como também propiciam os fundamentos básicos do renascimento italiano: a técnica do chiaroscuro, presente no corpo da madonna e em suas vestes e ornamentos. O aspecto de leveza é consequência da gradação luminosa do ambiente em detrimento do fundo escuro, que transmite a ideia de finito em seus pormenores. O uso da luminosidade é livre e menos rígido, se comparado aos outros trabalhos do artista. Nesse sentido, a combinação de cores se dá de maneira harmônica e suave, tendendo à uma paleta de tons ocres e terrosos, para os tons claros e róseos.

A leveza do toque de sua mão, repousada sobre o tecido, aglutina-o e o torna um dos principais focos do trabalho de Sanzio. Na imagem, o detalhamento do tecido, importante para o seguinte excerto:

Vê-se o cuidado do artista em ressaltar delicada e fluidamente o cair das mangas de seda e do tecido nobre que a jovem traja, mostrando assim o pertencimento social da personagem na elite de seu tempo. Os detalhes áureos das mangas denotam nobreza e o branco da veste, a pureza da jovem renascentista. Nota-se que a mão que afaga a veste também a protege, em um gesto singelo de autodefesa, inconsciente e oriundo da cultura virginal da renascença, herança púdica da idade média. Da mesma forma, o colar de pedras preciosas e lapidadas ovalmente, de pérolas de âmbar, evindencia concomitantemente a classe social da modelo, transferindo o valor agregado à peça como uma manutenção do status quo da aristocracia burguesa italiana.

O véu surge na obra como um importante efeito do catolicismo latente de Rafael, remetendo à Madonna de todas as madonnas: a Virgem Maria, consagradamente pura e imaculada, pelo juízo da eclésia religiosa. É neste justo ínterim que o célebre artista concebe sua obra, transliterando seus ideais de pureza e perfeição feminina em La Velata. A cor do manto é igualmente notória, haja visto que se trata de um pálido dourado, próximo de um ouro branco envelhecido.

Outro indício é o adereço, semelhante à um broche, no cabelo da jovem: uma tímida, porém resplandecente, pérola salta de seus cabelos, viajando através da tela até o seu observador-admirador. O acessório é um elemento próprio da nobreza, da elite aristocrática da renascença florenciana, e explicitava não só o inerente classicismo, mas o ideário de pureza e divinização que rondava a figura do feminino, como algo sacro, puro e intocável. Em outras palavras, o artista representou o ideal conservador patriarcal da noção de beleza de seu tempo, bem como a ideia de virgindade atrelada a pureza luminosa da mulher.

O rosto da Velata foi belamente trabalhado nos moldes de seu mestre Da Vinci, resgatando alguns dos caracteres presentes em Gioconda, por intermédio da centralização dos olhos da jovem na tela, bem como o sfumato dos cantos dos lábios e do caimento dos fios de cabelo da madonna, criando a ilusão de suavidade e maciez, fluidez da pintura.

A busca pelo realismo profundo se presentifica e permanece no trabalho, reiterando os cânones do movimento artístico. Isto se evidencia na textura visual da pele e do cabelo, assim como a intensidade do olhar da modelo.

--

--